Friday, November 04, 2005

Centro-Remate

A Mecânica é o ramo da Física que estuda o modo como as forças actuam sobre os objectos. A metafísica é outra coisa. Estuda o modo como forças que ninguém sabe ao certo se existem e, no caso de existirem, que restaurantes frequentam, actuam sobre objectos comuns como colheres, pratos rasos e bolas Adidas Tango.

A disciplina que estuda a marcação de livres por parte do jogador Petit, da agremiação desportiva Sport Lisboa e Benfica, é a parapsicologia, onde também se estudam fenómenos espíritas, ovnis e o cabelo do Abel Xavier.

Então, quem estuda o centro-remate? Defino centro-remate: centro-remate é um cruzamento falhado que, por intervenção de forças obscuras, ganha vida própria e se transforma num remate, causando dessa forma muitos problemas para o guarda-redes e para o autor do centro-remate que começa logo a pensar no que vai dizer aos jornalistas. A questão é: qual o grau de intencionalidade no centro-remate? Conseguirá um jogador imprimir um efeito à bola que a leve descrever uma trajectória que, no início, se assemelha a um passe do Beto e que, a meio, começa a zidanear?

Estamos no domínio da metafísica e da parapsicologia. À intersecção das duas disciplinas chamarei “jornalismo desportivo”.

Cabe ao jornalista desportivo aferir do grau de intencionalidade no centro-remate. É um trabalho colectivo que requer a colaboração de um jornalista com carteira profissional, o narrador, e um exegeta, o comentador, habitualmente um ex-jogador, um treinador no desemprego ou, a súmula dos dois, o Humberto Coelho. Poderá registar-se a intervenção de um terceiro elemento, o repórter de campo. Cabe a este a análise empírica visto ser o elemento mais próximo do rectângulo de jogo. É-lhe útil formação em Antropologia e alguma destreza física. É provável que esteja a recibos verdes.

São famosas as discussões sobre a intencionalidade do centro-remate. José Nicolau de Melo, um narrador clássico, foi um dos maiores defensores da intencionalidade no centro-remate desde que o chutador representasse a agremiação desportiva Futebol Clube do Porto. Para Nicolau de Melo, como se pode ler no seu brilhante estudo “Guarda-redes para um lado, bola para o outro – a angústia da bola nos pés de Paulinho Santos”, entre Madjer e André, entre Deco e Vinha, não há nenhuma diferença substancial. Todos os centros-remate saídos daqueles pés eram intencionalíssimos. Trata-se de um ponto de partida científico bastante criticável mas que Nicolau de Melo defendeu com brilhantismo em transmissões que temos o privilégio de poder rever na RTP Mamória.

Contra a intencionalidade estão os seguidores da escola fundada por Gabriel Alves, os cépticos da 5 de Outubro, dignos descendentes de Hume. Para estes um centro-remate não pode, por definição, ser intencional. Aliás, para estes teóricos, quanto menos intencional mais centro-remate. Ou como tão bem expôs Gabriel Alves: “oh!”.

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